quinta-feira, 27 de julho de 2017

Pelos Chifres

Eu o encarrei, cara a cara, como um homem contra um touro, e o segurei pelos chifres enquanto ele bufava e arfava um hálito imundo cheio de soberba. Ele tinha os olhos daqueles que me feriram, que cuspiram no chão em que pisei. Ele sorria como nas tantas vezes em que os sorrisos eram de mim e não comigo. Não me debrucei sobre o chão, como notavelmente estava acostumado, nem sequer dobrei os joelhos contra toda a força que me empurrava para baixo. Será que me encaixo? E quem disse que preciso me encaixar?
Rasguei meu rótulo e deixei de ser um produto, passei a ser minha própria fabricação. Colori meus cabelos e liguei a minha velha canção, como naquelas cirandas de quando apenas eu era mais um dentre tantos na rua da minha casa.
Encarrei um corredor da memória todo em branco, com portas marrons e fechadas. Abri todas elas e fiquei sem chão. Por que eu não deveria ser assim? Por que eu deveria ter tanta razão? O que eu fiz comigo mesmo? Por que cheguei nesta situação? Por que deixei de viver por mim mesmo quando cheguei exatamente no meu refrão?
Abri as janelas, e corri para o nada. Colori as minhas dores com cores e mais cores, cheio da plenitude das coisas menos egoístas... As pessoas ao meu lado estavam ruindo, e eu apenas me matando e me destruindo... O que foi que eu fiz comigo? Por que não estava lá quando precisavam? E olhei para aquele animal, que passou a cuspir fogo, e colocar mais pressão sobre as minhas mãos... Minha cabeça rodou, precisava cair para me levantar...
E quando acordei deste sonho todo, me sentindo um decadente patético, vivendo a vida por verdades que nunca me pertenceram, me tornando uma pessoa que nunca fui, me perguntei: “Você é foda, por que fica nisso? Você gosta de esmurrar ponta de faca?” Não, eu não gosto.... Gritei para o espelho que não! Eu tinha razão... Por que não me desapegar do passado?
Então me feri, caí sobre pedras que já atirei sobre os outros. As pedras que ficaram pelo caminho... Cadê todo mundo? Por que estou sozinho? Não adiantava chorar esperando que um rio de lágrimas levasse o meu barco para longe de toda aquela tragédia. Eu era um museu de sentimentos velhos.
O touro da humanidade pisou sobre mim como quem pisa no nada. Eu não era a minha existência. E por dentro tudo se quebrou como se fosse vidro, em pedaços pequenos de alguém que ficou ruído.
- Não é fácil viver! Me tire daqui! – eu gritava. Eu havia aprendido a amar e aquilo me machucava... Era como ter rosas e só ver os espinhos.
Então me perguntou:
- Por que tudo isso agora e não antes?
Pelos chifres. Peguei o touro pelos chifres. Levantei e coloquei o meu melhor sorriso. Passei a amar sem hábitos, de improviso. Brotaram flores, versos, melodias, estrelas no céu. Constelações que antes eram vazias, brotaram em todos os meus refrões. Pelos chifres, eu disse... Pelos chifres.
Meu coração parou de doer quando vi que era um incomodo e não um amor. Sofrer não é amar é submissão. Me encarrei no espelho: “É tão bonita a sua paixão!”. Eu sou um homem e não um museu. Estou no centro do meu universo.

Dia 27 de Julho de 2017, Vicenzo Vitchella.

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